eu fui criada com bastante cuidado, bem princesinha. não podia participar de brincadeiras perigosas nem ir no trepa-trepa, e só podia brincar dentro de casa. lembro que, quando ainda tinha um dígito de idade, comprei um pião escondida de um menino da escola - não podia ter algo tão perigoso quando um brinquedo com um prego.
como consequência, cresci com medo de tudo. tinha medo de escada, de escorregador, de bola, de tudo que tivesse alguma pequena chance de me machucar. agora, com trinta e tantos anos, já consegui trabalhar boa parte desses medos - apesar de estarem entranhados em mim, consigo lidar com eles melhor do que nunca.
aos 10 anos, mais ou menos, ganhei minha primeira bicicleta. eu já tinha uma altura próxima à que tenho hoje (1m70), mas precisei que fossem colocadas rodinhas nela - porque nunca tinha aprendido a andar de bicicleta antes. a bike era grande demais para as rodinhas, então ficou meio torta, meio capenga. além disso, tinha aquela coisa de eu não poder brincar na rua, então só podia andar no quintal. como é possível imaginar, minha primeira bicicleta foi abandonada em pouquíssimo tempo.
me tornei uma adulta que não sabe andar de bicicleta. uma vez, aos vinte anos, tentaram me ensinar, com uma bike grande demais e uma pessoa grosseira demais. caí, machuquei o joelho (uma das minhas únicas cicatrizes), fiquei triste e larguei mão.
anos depois, fui tomada pela vontade de andar de bicicleta. eu não sei dirigir, não tenho carro e odeio pegar ônibus, mas gosto muito de andar. porém, existe uma limitação de tempo e distância na caminhada - por mais rápida que eu seja, caminhos com mais de 5km se tornam inviáveis. a bike ampliaria minhas possibilidades e minha autonomia. nasceu em mim não só o sonho de aprender a andar de bicicleta, mas também o sonho de ter a bicicleta como meio de transporte.
mapeei as bicicletarias do meu bairro, e procurei vídeos, apostilas, metodologias, todo tipo de conteúdo que pudesse me ajudar. comecei a acompanhar as redes sociais de grupos de pedal, assisti a inúmeros vídeos de senhorinhas que aprenderam a andar de bicicleta depois dos 60 anos. inspirada e confiante de que iria aprender, comprei minha bicicleta, uma bikezinha simples, mas roxinha e linda - chamei de úrsula.
peguei a úrsula e fui, por várias tardes, para a garagem do meu prédio, tentar aplicar todas as técnicas que havia aprendido. minha esposa ajudou muito também. o espaço da garagem não era legal pra isso, e não encontrei nenhum espaço no bairro que fosse tranquilo e seguro o suficiente para aprender. acabei, mais uma vez, me frustrando e largando mão.
mudei de cidade, agora moro em uma casa, e a úrsula veio, mas do jeito que chegou ficou, largada na garagem, pegando poeira e acumulando ferrugem. esses dias, inclusive, a coitada quase foi roubada - forçaram meu portão de madrugada e, não fosse o escândalo dos meus dois cachorros, ela teria sido levada embora.
esses dias eu escrevi um toot no mastodon sobre um filme que assisti, uma pessoa comentou que entendeu outra coisa, eu achei engraçado, começamos a falar de academia e então sobre pedalar - disse que tenho muita vontade de aprender, mas nunca consegui. ele se ofereceu para me ensinar.
eu gosto muito desse exercício de rastrear o bater de asas da borboleta que levam uma coisa à outra - nesse caso, um comentário bobo sobre cinema me conectou com um cara que é bike anjo.
pra quem não conhece, o bike anjo é uma rede de pessoas que, entre outras ações, ensinam outras pessoas a pedalar e a ter autonomia com a bike. inclusive, a metodologia que segui lá atrás, para tentar aprender a andar de bicicleta sozinha, é deles.
das coisas que o mastodon me trouxe, eu jamais poderia imaginar que encontrar alguém para me ajudar a realizar o sonho de andar de bicicleta seria uma delas. nos encontramos pela primeira vez ontem, no parque das bicicletas - um lugar muito legal em são paulo, que eu não conhecia e tem, entre espaços diversos, uma pista mais tranquila e reta, ideal para quem está aprendendo.
me senti muito segura, acolhida e empoderada - não andei bem, não andei bonito, não dei mais do que três pedaladas seguidas sem me desequilibrar, mas entendi o que e como fazer para melhorar. minhas poucas pedaladas tortas foram todas aplaudidas, recebi muitas dicas e saí com o corpo inteiro doendo, mas muito esperançosa.
minha relação com atividade física é assim mesmo: eu demoro. demoro muito. tudo que já aprendi a fazer foi em passos lentos: corrida, yoga aéreo, musculação. na minha prática de yoga aéreo, por exemplo, hoje eu tenho uma confiança gigante no meu corpo e no tecido, mas isso só veio com meses e meses de micro avanços. eu não tenho muita fluência corporal, fruto de ter sido uma criança medrosa e uma grande sedentária até os 30 anos.
hoje fui até o parque que tem perto de casa e participa do bike sampa, e peguei uma bike emprestada. pratiquei um pouco, estava muito calor, insisti até cansar. agora à noite dei uma limpada na úrsula, amanhã quero levar ela em uma bicicletaria do bairro pra ver do que ela precisa para voltar a andar. sigo tentando, um pouquinho todo dia. uma hora vai :)